Sem planejamento, a água ganha força e causa destruição em Cuiabá, aponta geólogo

Global News Space 15/12/2025 15:00

A forma como Cuiabá e Várzea Grande foram urbanizadas ao longo dos anos transformou episódios de chuva intensa em ameaças recorrentes à vida da população. Dezenas de mortes já foram registradas na Capital em eventos extremos de chuva, geralmente em áreas ocupadas muito próximas a córregos – um cenário que se repete a cada temporal e que, segundo especialistas, é resultado direto de intervenções urbanas sem planejamento técnico adequado.

Em entrevista exclusiva, o geólogo Caiubi Kuhn, professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), afirma que fatores naturais do solo, somados à ocupação irregular e à canalização inadequada de rios, criaram uma bomba-relógio na região metropolitana.

Segundo Kuhn, a região metropolitana da Capital possui características geológicas que, por si só, já dificultam o manejo de grandes volumes de água. As rochas e solos locais não favorecem a infiltração, intensificando o escoamento superficial durante temporais.

"No caso de Cuiabá e Várzea Grande, as rochas e o solo da região não favorecem a infiltração de grandes quantidades de água, o que acaba por intensificar o escoamento superficial. Em bacias de drenagem amplas e com declividade que favoreça esse escoamento, a geomorfologia facilita a concentração de água nas partes mais baixas", explica.

Esse cenário natural, porém, foi agravado pela ocupação de áreas de risco – fundos de vale, margens de córregos e zonas de amortecimento que deveriam permanecer livres foram ocupadas por ruas, avenidas e moradias.

"Em municípios como Cuiabá, já foram registradas dezenas de mortes devido a eventos extremos de chuva, em geral, associados a áreas ocupadas próximas a córregos", alerta o geólogo.

Canalizações: velocidade no lugar de segurança

Outro ponto crítico destacado por Kuhn é a prática de canalização de córregos, comum nas últimas décadas e executada, muitas vezes, sem considerar o comportamento natural dos rios e o histórico de chuvas intensas da região.

"Os rios, em sua forma natural, possuem curvas que ajudam a equilibrar o volume e a velocidade da água. Quando se canaliza e se retira essas curvas, a água ganha velocidade e, ao chegar nas partes mais baixas, extravasa", afirma.

O especialista ressalta que projetos de canalização precisam incorporar o histórico de eventos extremos – algo que raramente tem sido feito. "É fundamental que obras de canalização considerem, em seu projeto, o histórico de eventos extremos da região", alerta.

O temporal registrado em Cuiabá em abril exemplifica os impactos dessa combinação de fatores. A chuva intensa provocou alagamentos generalizados, prejuízos em comércios, danos a prédios públicos e deixou moradores em estado de alerta.

Na avaliação de Kuhn, situações como essa não devem ser tratadas como casos isolados, mas como reflexo de um modelo urbano que ignora as limitações naturais do território.

Além dos alagamentos: o calor que sufoca

O geólogo chama atenção ainda para outro efeito colateral das canalizações: o aumento da temperatura urbana. A retirada da vegetação das margens dos rios elimina microclimas naturais que ajudam a amenizar o calor na Capital.

"Outro fator que precisa ser considerado em casos de canalização é que ela pode aumentar a temperatura nessas áreas, tornando Cuiabá ainda mais quente. Por outro lado, rios que possuem margens arborizadas acabam criando microclimas muito mais agradáveis", observa.

Para Kuhn, enfrentar o problema exige uma mudança de abordagem por parte do poder público, com integração entre engenharia urbana e planejamento ambiental, além de políticas mais rígidas de controle da ocupação do solo.

"As cidades precisam de infraestrutura adaptada ao novo regime de chuvas. Sem planejamento adequado, a água, em vez de ser controlada, ganha força e causa destruição", conclui.